Aqui há uns tempos, pedalava eu acompanhado por volta das onze da noite na Avenida 24 de Julho, quando um carro da PSP abrandou ao nosso lado. Baixaram o vidro e um polícia dirigiu-nos umas palavras que não percebemos à primeira. Pretenderiam avisar-nos de algum perigo eminente?
Pretendiam, sim. Mas parece que o perigo, para eles, éramos nós.
- Como?
- Têm que ir em fila! Não podem andar lado a lado!
Foi aqui, em Lisboa, na Av. 24 de Julho, onde se inicia a Av. da Índia:
Foto retirada do mapa da Google com edição gráfica claramente produzida por mim.
A verde, as duas bicicletas reproduzidas.
A verde, as duas bicicletas reproduzidas.
Numa via que tem três faixas de rodagem e a uma hora em que pouquíssimos carros circulavam (séries de 7 ou 8 que ficavam retidos no semáforo atrás de nós e nos passavam em segundos), ocupar a via mais à direita e deixar as outras duas livres era uma contra-ordenação que os zelosos agentes não poderiam passar em branco. Possibilitar que duas pessoas circulem nessa faixa à direita, protegendo-se melhor dos automóveis (porque mais visíveis) conversando um com o outro, numa cidade genericamente silenciosa, no centro dessa cidade, é demasiado grave para que se fechasse os olhos.
Todos os dias (também poderia dizer "Todos os minutos de cada dia ou noite") há automóveis a circular naquela avenida em evidente excesso de velocidade (o máximo permitido é 50km/h), a passar vermelhos (normalmente praticam estas duas violações em simultâneo) e a ultrapassar pela direita. Nunca em momento algum, das centenas de vezes que ali passei a pé, de bicicleta, mota ou carro vi algum condutor a ser admoestado pela polícia por tal infracção.
É inclusive comum que os automóveis me façam razias, quando eu, pretendendo seguir em frente, sou ultrapassado em cima da saída para a direita, na continuação da 24 de Julho. No desenho abaixo percebe-se melhor:
A verde, eu de bicicleta, a vermelho, o trajecto habitual dos automobilistas, cortando-me o caminho e pondo-me fisicamente em perigo
Esta é objectivamente uma manobra muito perigosa, mas também nunca vi um automobilista a ser parado para o chamarem a atenção. Aliás, é óbvio que os automobilistas o fazem porque sabem que escapam facilmente.
A verdade é que a bicicleta é um alvo fácil de qualquer autoridade, enquanto que um carro a 80km/h é difícil de fazer parar, nas mesmas circunstâncias.
Não faltam apelos pela internet fora a que se multe e ordene o trânsito de bicicletas, que é escasso. Mas nada se diz ou faz quanto aos permanentes e perigosos comportamento de muitos automobilistas. Nada me move contra estes, pelo contrário, todos têm o seu lugar. Mas não podemos aceitar que alguns imponham a sua lei pela força, colocando os outros em perigo.
No trânsito de bicicletas pela estrada ao lado do restante trânsito, é o ciclista quem está sempre em perigo real, independentemente de quem cumpre a lei, pelo que os ciclistas experientes procuram adoptar sempre o comportamento mais seguro, independentemente de ser ou não o legal. É uma questão de sobrevivência.
É que há uma razão para os altos índices de sinistralidade que continuamos a ter, e a a culpa não é das bicicletas.