quarta-feira, 31 de julho de 2013

A propósito de circular de bicicleta a par

Nota prévia: Tinha começado a escrever este art.º antes das alterações recentes ao Código da Estrada que vai passar a permitir a circulação de bicicletas a par, em certas situações. A situação abaixo descrita passará a ser legal, o que mostra que a Assembleia da República concordou que esta é uma prática viável, desde que não perturbe o trânsito. Ainda assim, julgo que a história tem interesse por ser reveladora do status quo.

Aqui há uns tempos, pedalava eu acompanhado por volta das onze da noite na Avenida 24 de Julho, quando um carro da PSP abrandou ao nosso lado. Baixaram o vidro e um polícia dirigiu-nos umas palavras que não percebemos à primeira. Pretenderiam avisar-nos de algum perigo eminente?

Pretendiam, sim. Mas parece que o perigo, para eles, éramos nós.

- Como?
- Têm que ir em fila! Não podem andar lado a lado!

Foi aqui, em Lisboa, na Av. 24 de Julho, onde se inicia a Av. da Índia:


Foto retirada do mapa da Google com edição gráfica claramente produzida por mim.
A verde, as duas bicicletas reproduzidas.


Numa via que tem três faixas de rodagem e a uma hora em que pouquíssimos carros circulavam (séries de 7 ou 8 que ficavam retidos no semáforo atrás de nós e nos passavam em segundos), ocupar a via mais à direita e deixar as outras duas livres era uma contra-ordenação que os zelosos agentes não poderiam passar em branco. Possibilitar que duas pessoas circulem nessa faixa à direita, protegendo-se melhor dos automóveis (porque mais visíveis) conversando um com o outro, numa cidade genericamente silenciosa, no centro dessa cidade, é demasiado grave para que se fechasse os olhos.

Todos os dias (também poderia dizer "Todos os minutos de cada dia ou noite") há automóveis a circular naquela avenida em evidente excesso de velocidade (o máximo permitido é 50km/h), a passar vermelhos (normalmente praticam estas duas violações em simultâneo) e a ultrapassar pela direita. Nunca em momento algum, das centenas de vezes que ali passei a pé, de bicicleta, mota ou carro vi algum condutor a ser admoestado pela polícia por tal infracção.

É inclusive comum que os automóveis me façam razias, quando eu, pretendendo seguir em frente, sou ultrapassado em cima da saída para a direita, na continuação da 24 de Julho. No desenho abaixo percebe-se melhor:


A verde, eu de bicicleta, a vermelho, o trajecto habitual dos automobilistas, cortando-me o caminho e pondo-me fisicamente em perigo 


Esta é objectivamente uma manobra muito perigosa, mas também nunca vi um automobilista a ser parado para o chamarem a atenção. Aliás, é óbvio que os automobilistas o fazem porque sabem que escapam facilmente. 

A verdade é que a bicicleta é um alvo fácil de qualquer autoridade, enquanto que um carro a 80km/h é difícil de fazer parar, nas mesmas circunstâncias. 

Não faltam apelos pela internet fora a que se multe e ordene o trânsito de bicicletas, que é escasso. Mas nada se diz ou faz quanto aos permanentes e perigosos comportamento de muitos automobilistas. Nada me move contra estes, pelo contrário, todos têm o seu lugar. Mas não podemos aceitar que alguns imponham a sua lei pela força, colocando os outros em perigo.

No trânsito de bicicletas pela estrada ao lado do restante trânsito, é o ciclista quem está sempre em perigo real, independentemente de quem cumpre a lei, pelo que os ciclistas experientes procuram adoptar sempre o comportamento mais seguro, independentemente de ser ou não o legal. É uma questão de sobrevivência.

É que há uma razão para os altos índices de sinistralidade que continuamos a ter, e a a culpa não é das bicicletas.